De regresso a Lisboa... notas sobre:

1) Primeiras impressões à chegada...

O novo aeroporto da Praia é pequenito, mas agradável, está repleto de cor com as grandes pinturas que exibe na fachada principal.
Saimos directamente do avião para a sala de desembarque com relativa ordem... o pior foi mesmo a espera por causa dos vistos...
As estradas de acesso à cidade são boas, em alcatrão. A paisagem estava árida e seca - ficámos desiludidos...
As primeiras habitações que vimos foram construções em tijolo de aspecto inacabado.
Havia muita gente na rua - principalmente crianças a brincar.

Quando chegámos ao Plateau, a agitação era muita... À porta da residência para onde nos dirijimos (na rua do mercado) havia muita gente, algumas vendedoras de rua, dois pedintes de esmola e algum lixo no chão - próprio de um dia de comércio ao ar livre.
Confesso que o primeiro impacto não foi propriamente positivo! Levou algum tempo até nos acostumarmos ao reboliço da cidade; ao ambiente agitado; às frequentes interpelações de estranhos a pedir, a vender ou simplesmente a interagir connosco; aos mosquitos de final da tarde; ao calor húmido.... O mais engraçado é que perto da data de partir, parecia que aquele cenário fazia parte do nosso dia... Quando regressámos a Lisboa, sentimos uma espécie de "saudade"... já nos havíamos acostumado à agitação e simplicidade do dia-à-dia na cidade da Praia :) é difícil explicar!


2) As pessoas, o dia-a-dia, a língua...

O dia começa cedo no Plateau. O comércio de rua - com a venda de legumes e frutas por parte de mulheres (muitas delas vindas do Tarrafal) - marca o ritmo... A cidade parece girar em torno do mercado, onde proliferam as mulheres e crianças.
Comprámos algumas frutas e legumes na rua e gostámos... não esquecerei o sabor daquelas papaias... hum... :)
Perto do mercado fica a Praça Alexandre Albuquerque - os Paços do Concelho - onde há uma grande preocupação da Câmara em manter o local limpo, por isso, veêm-se de quando em quando algumas senhoras de bata cor-de-laranja a varrer o chão.
Segundo um vereador com quem falei, há nessa mesma Praça um sistema de wireless (embora não estivesse a funcionar enquanto lá estive porque rebentaram uns cabos que danificaram as telecomunicações) - a CMP aderiu à Rede das "Cidades digitais".
Notei por parte das pessoas competentes com quem falei, um grande esforço por fazer de Santiago em particular, e da imagem de Cabo Verde, em geral, um local de caminho ao progresso... Uma tentativa de mostrar que o país está a dar um grande "pontapé" para a frente... tal como demonstra o artigo «Praia na esfera das cidades e territórios inteligentes» da Revista da Câmara Municipal da Praia, n.16, Abril-Junho 2006, pp.10-11.

Há muitos taxis, que circulam durante todo o dia e parecem estar sempre ao seviço. Os taxistas não aguardam pelos clientes parados, estão sempre em movimento e tendem a concentrar-se perto dos locais de comércio. Vê-se com alguma frequência carros vulgares a fazerem de taxi... os condutores aproximam-se de nós a perguntar se queremos os seus serviços... os preços são praticamente iguais para todos os locais e variam entre os 100 e os 150 escudos caboverdeanos para deslocações na cidade (há que pedir para ligarem o taximetro... porque a maioria dos concutores não o faz!).
Também existem muitos autocarros, que circulam todo o dia e com muitos passageiros. O bilhete é muito barato.
É impressionante a importância que boa parte dos condutores de Santiago dá aos seus carros... ou os limpam ao final do dia (praticamente todos os dias) ou os entregam aos moços que estão na rua com o intuito de prestar esse serviço.

A maioria das pessoas são simpáticas e prestáveis quando as abordamos e uma grande parte, se não mesmo a maioria, fala em crioulo no quotidiano.
Tive a oportunidade de circular muito pelas ruas, de visitar os dois museus, alguns Institutos, Organizações, a Câmara Municipal, supermercados, de me sentar na esplanada do café mais "badalado" que parece existir por aquelas bandas, de andar de autocarro, de taxi, etc... e ao observar as pessoas pude ouvir que falavam entre si a língua materna. Fiquei surpreendida por ouvir tão pouco o português no quotidiano... no entanto, há muita gente que entende bem e que consegue responder em português (ainda que com crioulo à mistura em algumas expressões, principalmente entre os mais velhos).
Ao falar com alguns jovens estudantes do secundário, disseram-me que só falavam português nas aulas... e que o português da disciplina "Língua Portuguesa" era difícil, com muitas palavras que eles não usam e que são difíceis de pronunciar. Disseram-me que falam crioulo, inclusivé quando estão no messenger com os amigos e que quando algum fala em português, parece ficar com o rótulo de se estar a armar em bom... ehehehehehehe!!! Até porque o português - dizem - não tem algumas expressões que querem usar para dizerem o que sentem.
Por outro lado, os jornais e revistas que comprei são escritos em português e nota-se uma grande preocupação em manter um nível de escrita elevado - com palavras "caras" e expressões cuidadas.

3) O turísmo...

Em Santiago o turismo ainda não é um sector atractivo... há muito ainda a fazer, principalmente se, sem pensarmos com justiça, avaliarmos o conforto e os serviços que nos prestam pelos padrões europeus a que estamos habituados.
Uma pequena experiência que vivi em relação ao alojamento serve para ilustrar esta situação. Num dos dias em que tomei o pequeno-almoço na residência onde estavamos, pedi um sumo de pacote que chegou às minhas mãos fora de prazo (quatro meses); não reparei logo e comecei a beber... senti algo de diferente e foi então que verifiquei o prazo. Fui ter com uma das empregadas que estava de serviço, a primeira coisa que ela disse foi: "não interessa, bebeu, agora tem de pagar. São 100 escudos". Penso que o mais sensato naquela situação teria sido pedir desculpa pelo sucedido, dizer que lamentavam o sumo estar fora de prazo e que tinha sido sem intenção... ou qualquer coisa do género... a fim de cativar o cliente (neste caso, eu). Mas não, a preocupação principal foi o dinheiro, o lucro...
Como esta situação surgiram outras que aqui não vale a pena mencionar... Isto apenas para dizer que fiquei com a ideia de que para se ficar bem instalado na cidade da Praia, temos de recorrer aos únicos hoteis de 4 estrelas que existem e que são caríssimos para o bolso da maioria dos visitantes... Será?!

Outra coisa que faz muita falta no Plateau, são os restaurantes. Só vimos um, e estava fechado!
Encontramos uma pastelaria/snack-bar de uns portugueses que serviam refeições a um preço razoável e há ainda as tasquinhas com comida local.

A praia que estava mais perto de nós, Gamboa, também está pouco atractiva... há que arranjá-la e dinamizá-la... os recursos não faltam, estão lá! :)
A única praia, que conhecemos, capaz de chamar os turistas é mesmo a do Tarrafal, mas que fica no extremo oposto da ilha - e o caminho é penoso! Gostaríamos de ter conhecido mais praias, mas o tempo não chegou...

4) Para finalizar...

A conhecida frase "primeiro estranha-se, depois entranha-se" aplica-se na perfeição à nossa experiência em Cabo Verde. Houve muita coisa que nos desiludiu (a paisagem seca, o modo como algumas pessoas do interior vivem, o lixo que abunda nos bairros periféricos da cidade, a praia da cidade, etc...), mas houve outras tantas coisas que nos cativaram (a simpatia; os sorrisos - principalmente para a nossa pequena Beatriz; o reboliço do Plateau; a simplicidade das pessoas; a rapidez com que compravamos algo em falta - era tudo tão perto; a pacatez do dia-a-dia; a vontade de mudar e ser melhor; o sentar na pracinha ao final do dia e ver as crianças alegres, de uniforme azul a chegarem da escola, as mulheres a regressarem em grupo dos seus trabalhos, os velhinhos sentados no jardim em amenas conversas; enfim...).
Foi uma experiência diferente... a primeira em África... algo a repetir...

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